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Clarice Lispector

Cuide-se como se você fosse de ouro, ponha-se você mesmo de vez em quando numa redoma e poupe-se."






“Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. Não me refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece aos que lidam com arte. 
O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe. Neste estado, além da tranqüila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve, porque na graça tudo é tão, tão leve. É uma lucidez de quem não advinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Não perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se. 
E há uma bem-aventurança física que a nada se compara. O corpo se transforma num dom. E se sente que é um dom, porque se está experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir materialmente. 
No estado de graça, vê-se às vezes a profunda beleza, antes inatingível, de outra pessoa. Tudo, aliás, ganha uma espécie de nimbo que não é imaginário: vem do esplendor da irradiação quase matemática das coisas e das pessoas. Passa-se a sentir que tudo o que existe – pessoa ou coisa – respira e exala uma espécie de finíssimo resplendor de energia. Na verdade, o mundo é impalpável..." Clarice Lispector